Em confissão escrita a seus superiores, Mario Terán Salazar relata que se sentiu intimidado e tonto na presença do guerrilheiro (Foto: Marc Hutten/ AFP)
O jornal espanhol “El Mundo” publicou neste domingo uma entrevista com o militar aposentado que teria matado Che Guevara, aos 39 anos, no dia 9 de outubro de 1967, em La Higuera, na Bolívia. Mario Terán Salazar, de 72 anos, tenta se esquivar dizendo que havia três militares com um sobrenome igual ao seu no Exército boliviano e que por isso ele sempre teria sido confundido com o homem que matou o guerrilheiro. O general Gary Prado, capitão da milícia que encurralou Che, no entanto, confirmou ao “El Mundo” a autoria dos disparos.

A entrevista ao diário espanhol foi feita na casa de Terán, em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. Segundo uma confissão escrita que fez aos seus superiores, o militar conta ter se sentido intimidado e tonto com a presença do guerrilheiro.

“Quando cheguei, Che estava sentado. Ao me ver, disse: você veio para me matar? Eu me senti envergonhado e abaixei a cabeça sem responder. Não me atrevi a disparar. Nesse momento, vi o Che grande, muito grande. Quando me olhou senti tontura. Eu pensei que, com um movimento rápido, ele poderia tomar a minha arma”, descreveu na confissão, publicada na íntegra pelo “El Mundo”.

Segundo o militar, Gue teria dito para que ele se acalmasse. Logo depois, veio o primeiro disparo:

“Por favor, acalme-se, você vai matar um homem”, relembra Terán na confissão, citando as palavras de Che. “Então, dei um passo para trás, até a soleira da porta, fechei os olhos e disparei a primeira rajada. Che caiu no chão com as pernas destroçadas, se contorceu e começou a jorrar muito sangue. Recobrei o ânimo e disparei a segunda rajada, que o atingiu seu braço, ombro e coração”.

No que parecia ser uma tentativa de gerar confusão ou camuflar o protagonista, havia três Marios Terán no Exército colombiano: Mario Terán Ortuño, Mario Terán Terán Reque e Mario Terán Salazar. Perguntado se era verdade que ele fazia parte do grupo que deteve Che, o entrevistado se esquivou:

— Não é verdade. Havia dois ou três Marios Teranes (sic) no Exército, mas com diferentes sobrenomes maternos — disse ao jornal, para logo depois se identificar como sendo o homem da única imagem publicada até hoje do suposto atirador. — Sim, sou eu — respondeu aos jornalistas do “El Mundo”, que lhe mostraram a foto.

A imagem foi tirada dois meses depois da execução pela jornalista francesa Michèle Ray, da Paris Match, que escreveu um livro sobre a morte de Che.

O general Gary Prado disse que sempre aconselhou Terán que não confessasse seu papel na morte para evitar possíveis retaliações.

Na entrevista, Terán desmentiu uma informação do jornal cubano “Granma” de que médicos cubanos teriam devolvido a visão ao homem que matou Che.

— Não. Não é como eles dizem que eu recuperei a visão. Falso. Eu não estava cego, tinha uma catarata simples — afirmou ao “El Mundo”.

UMA EXECUÇÃO CHEIA DE BOATOS

Che Guevara, braço direito de Fidel Castro, que ajudou a derrotar o ditador Fulgencio Batista em 1959, foi executado numa escola na aldeia de La Higuera, no centro-sul da Bolívia, no dia seguinte à sua captura pelos rangers do Exército boliviano, treinados pelos Estados Unidos.

Depois de 11 meses nas selvas, os guerrilheiros foram encurralados por soldados da milícia liderada pelo capitão Gary Prado, em uma ravina localizada na região de Vallegrande, no dia 8 de outubro. Durante a luta, Guevara acabou sendo ferido na perna e levado para La Higuera junto com dois companheiros, onde foi morto.

O assassinato encerrou uma operação guerrilheira desastrosa. Com a vitória da revolução em Cuba, Che Guevara, médico formado pela Universidade de Buenos Aires que se iniciara politicamente na oposição a Perón, resolveu levar o ideal marxista para os países da América Latina, contrariando as recomendações do Partido Comunista soviético.

Os boatos que cercaram a execução de Che Guevara levantaram dúvidas sobre a identidade do guerrilheiro morto em Higueras. A confusão culminou no desaparecimento dos seus restos mortais, encontrados apenas em 1997 — quando o mundo recordava os trinta anos de sua morte — sob o terreno do aeroporto de Vallegrande.

O corpo estava sem as mãos, amputadas para reconhecimento poucos dias depois da morte e contrabandeadas para Cuba. Em 17 de outubro de 1997, Che foi enterrado com pompas na cidade cubana de Santa Clara (onde liderou uma batalha decisiva para a derrubada de Batista), com a presença da família e de Fidel.

Fonte: O Globo
 
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