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Nossa cultura popular está de luto!
O Mestre da Cultura Antônio Rodrigues Trajano( Antônio Hortêncio), fez sua partida para o céu. O rabequeiro recebeu seu título no ano de 2004, como Tesouro Vivo da Cultura Cearense. Nascido em 4 de julho de 1928, filho de um carpinteiro e uma tecelã, começou tocar aos 15 anos de idade quando construiu sua própria rabeca. Seu Antônio deixa um legado cultural imaterial reconhecido por seu saber que faz parte da cultura cearense.
Estamos profundamente consternados com sua partida, e em nós fica a alegria e a coragem deste grande homem.
Viva a cultura popular!
Viva o nosso Mestre Antônio Hortêncio!











O rabequeiro do olho d´água dos Trajanos

O Olho d´Água do Cinza, em Varjota, assim chamado porque lá funcionava um curtume, passou a ser conhecido como dos Trajanos, depois que esta família se radicou lá. Tem uma capela de São Luís Gonzaga, uma churrascaria, antenas parabólicas e é onde mora mestre Antonio Hortênsio, homem dos mil e um instrumentos, do ofício da carpintaria à arte de tocar rabeca. Aos setenta e cinco anos, casado com dona Isabel Lopes da Silva Trajano, seis filhos, sempre encontrou formas de se livrar do trabalho do campo. Graças a isto ganhamos um artesão, um inventor e um músico afinado, de ouvido privilegiado e que gosta do que faz.

Antonio Hortênsio, aliás, Antonio Rodrigues Trajano nasceu dia 4 de julho de 1928, no Olho d´Água.

O pai, Hortênsio Rodrigues de Mesquita, carpinteiro, repreendia quando o menino mexia nos ferros: “Saí daí, besta”. Constata: “nunca pedi lição a ele pra nada”.

A mãe, Hilda Trajano, fiava algodão e tecia suas redes. Não sabia contar histórias de encantamento, mas falava do “fim das eras, de cavalos sem cabeças e de pai contra filho. Menino, eu corria pra escutar”.

O pai contava outras histórias, que Antonio ouvia embevecido, mas faz muito tempo e ele não lembra mais quais eram essas histórias.

O casal teve sete filhos, dos quais três estão vivos, ele, a irmã Maria, que vive no Salgado, vizinho ao Olho d´Água e Zeno, também carpinteiro, que mora no Conjunto Jereissati, em Maracanaú.

Lembra o dia em que viu uma lanterna e disse: “Eu me atrevo a fazer uma”, de madeira, evidentemente, na expectativa do incentivo do pai.

Ele desaprovou a idéia: “tu lá sabe fazer nada” e não deu crédito ao intento do filho.

Calado, trabalhou escondido, usou torno, serras, fez o cilindro de madeira para colocar as pilhas, improvisou o refletor com folha de flandres, instalou a lâmpada e foi mostrar ao velho. Provocou: “Papai disse que eu não sabia fazer...”. O pai sorriu e disse “tu é danado, mesmo”, como rito de iniciação neste ofício.

Fez cilindros para padarias, descaroçadores de arroz, de algodão, debulhadores de feijão, esmeris manuais, cadeiras, mesas, conchas, colheres de pau, caixões para farinha, cabos de guarda-chuvas,- cuja armação a mãe cobria de tecido - , pifes e até uma bicicleta “de uma forquilha de pau, cela, tração na frente e com as rodas protegidas por lonas de pneus”, e ele jura que conseguia pedalar até o açude Araras.

HISTÓRIA DE VIDA

Aos quinze anos, seu grande feito foi reconstruir uma rabeca a partir de pedaços de uma pertencente a seu amigo Manoelito, morador das Cajazeiras, que chegou quebrada a suas mãos e foi trocada por um cavaquinho de oito cordas.

Antes do conserto, pediu emprestada e passou dois dias com a rabeca do Firmo Caboclo, sanfoneiro e “luthier”, que foi embora para o Rio de Janeiro ou para São Paulo e “ninguém sabe nem se é vivo”.

“Dois dias depois eu devolvi a rabeca e tinha composto um samba e uma marcha”. Insiste em dizer: “ninguém me ensinou nada” e a partir daí, “tomei gosto pelo toque”.

Pras bandas de Macaraú, fronteira com Santa Quitéria, tinha um fabricante de instrumentos musicais chamado Raimundo Idalino. Foi ele que fez sua segunda rabeca, a que mais tocou sambas, maracatus, xotes, valsas, boleros, frevos e forrós por este sertão afora.

Sempre teve problemas na vista. Desde criança tem um olho perdido, o outro começou a apresentar uma névoa, e, aos dezoito anos, foi operado de catarata.

Por conta disso, praticamente, não estudou mas sabe assinar o nome.

O namoro com Isabel Lopes da Silva, que vivia a dezoito quilômetros de sua casa, foi um “romance”. E envolve outro episódio curioso em que, para vê-la, um dia, ele andou cerca de setenta e dois quilômetros, indo e voltando quatro vezes do Olho d´Água até o sítio Vitória, onde ela morava. Coisas de juventude e de paixão.

Veio o casamento, em 1959, e um certo freio nas atividades musicais. A mulher gostava de roça e muitas vezes ele chegou a lavrar as terras, a semear e a colher, como prova de amor. Gostar do trabalho do campo, na verdade, ele nunca gostou.

“Ela sempre me ajudou muito e foi assim que criamos os seis filhos que tivemos”.

Das três mulheres, Hilda e Dejandira moram no Olho d´Água e Maria em Fortaleza. Dos três homens, Genilson mora no Arraial do Cabo (RJ) e visita os pais de dois em dois anos; João é caixa do restaurante do Náutico Atlético Cearense e Genésio, depois de temporada no “La Molle”, no Leblon (RJ), e de trabalhar em vários restaurantes, pontifica no Dom Churrasco, da Avenida Beira- Mar, em Fortaleza. É ele quem hospeda o pai, em sua casa no Genibaú, perto do Conjunto Ceará.

Era um desafio criar seis filhos. Antonio saía de casa e viajava pelos sítios e localidades da região consertando máquinas de costura, fazendo afinação e reparos em harmônicas (a sanfona de oito baixos) e acordeões e voltava para casa com dinheiro e presentes que recebia, como galinhas, “bacurinhos”, criações, queijos e cereais, quando o cliente não tinha dinheiro em espécie para pagá-lo.

Ele se queixa de que cobrava quase nada, saindo mais pelo prazer de trabalhar e, no fundo, para fugir da roça.

Chegou a ganhar algum dinheiro comprando sucatas de máquinas de costura e estocando as peças para fazer reparos em outras.

Também consertava e afinava harmônicas e sanfonas, às vezes, tinha de cinco a seis em sua casa. Além de tocar, ele garantia o som em boa parte da zona norte do Estado.

Gilmar de Carvalho









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